domingo, 28 de março de 2010

O Testamento: “Liquidação de Almas”

Testamento de 1649 - Georgina Goys-Museu de Taubaté

A partir do momento em que a mentalidade a respeito da morte foi se modificando, a forma de planejá-la também foi se alterando. Nesse contexto, o testamento passou a desempenhar um papel de especial importância. De um mero ato privado, destinado a regulamentar a partilha dos bens durante a Antigüidade Romana, o testamento tornou-se um “contrato de salvação”, quase um sacramento celebrado entre o testador mortal e Deus, por intermédio da Igreja Católica, a partir do advento do cristianismo. O testamento é uma fonte de pesquisa interessante, pois de certa forma é a última expressão do ser humano. Seu teor não engloba somente à partilha de bens, mas também mensagens, confissões de segredos, últimas vontades, pedidos de perdão e muitas outras coisas. Este documento pode, portanto, ser considerado como uma das maiores provas da vida de uma pessoa. Nele as não têm medo de registrar segredos, pois ali será sua última chance de reparar erros. No século XIX, era possível “pressentir” a morte, assim a oportunização de planejá-la era maior. Atualmente a morte tem sido um tabu e conseqüentemente, o testamento tem sido, além de raro (somente a pessoas com certo poder aquisitivo tomam essa providência), um atestado de riqueza. O sentido de deixar características da vida do defunto deu lugar à divisão da riqueza. No início de seu aparecimento o uso no período colonial brasileiro, o testamento tinha a finalidade de regular a vida dos herdeiros por meio da caracterização dos bens do inventariante, e também era evidenciada a divisão desses bens. Devido a esta característica este “papel” se tornou um documento a ser fiscalizado pela Coroa, segundo afirma HOORNAERT (1984) são nas ordenações do Reino de Portugal que se encontram tais cláusulas de proteção ao inventariado.Segundo LE GOFF, a presença de testemunhas que validem os testamentos, são profícuas a questão da validação do direito do inventariado (aquele que recebe a herança). A legalização da vontade do defunto, deverá sempre ser acompanhas pelas mesmas testemunhas, que por algumas vezes, são escolhidas pelo próprio. É interessante analisarmos que nenhuma testemunha é inventariado, apenas são pessoas que farão valer as divisões corretas de bens e provisões. Segundo Ariès (2003), durante a primeira metade do século XVIII, mudou o estilo e o tom dos testamentos, assim como sua função; esta mudança esta relacionada com o sentimento de família. Até o começo do século XVIII, essa função era o que sempre havia sido desde a Idade Média, ou seja, uma função religiosa. Anteriormente ao século XVIII, o testamento era uma forma de entrada ao céu, através de doações de terra à Igreja Católica. Porém, como pode se constatar em testamentos da região do Vale-Histórico, as atuais igrejas são donas de terras doadas por famílias de grande poder aquisitivo, isso já no século XIX, considerando que a mentalidade medieval ainda esta presente em algumas localidades. Mas se o testamento não era mais um ato quase sacramental, continuava sendo um ato religioso, em que o inventariante exprimia por formalidades mais espontâneas do que se pensava, sua fé e sua confiança na intercessão da “Corte Celeste”, e dispunha do que ainda lhe era mais precioso: seu corpo e sua alma.

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